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Saiba como é a vida de um caminhoneiro brasileiro em Portugal

Por André de Angelo em 07/05/2022 às 00:39
Saiba como é a vida de um caminhoneiro brasileiro em Portugal

“As pessoas que pensam em sair do Brasil devem se perguntar: por que quero isso? Se a resposta for segurança e qualidade de vida, recomendo vir para Portugal sem olhar para trás”

O brasileiro é um povo reconhecidamente trabalhador. Além de esforçado e que sonha bastante, é comum ao longo da vida nos depararmos com outras pessoas, ou nós mesmos, pensando em fazer as malas e recomeçar a vida profissional fora do País.

A Europa, assim como a América do Norte, é bastante visada para essa migração, pois o leque de possibilidades é enorme. No entanto, quando falamos de Portugal um dos fatores que influencia essa decisão é o idioma.

O Português falado no Brasil - que possui semelhanças, mas é bem diferente - quebra o estigma social de “precisar aprender outro idioma”, e embora essa não seja toda a verdade, precisamos conversar com pessoas que passaram por essa experiência para entender.

Na série Caminhoneiros ao Redor do Mundo, da revista Caminhoneiro, buscamos trazer um olhar realista da vida de caminhoneiros brasileiros que tomam a iniciativa e partem do Brasil para começar uma vida nova em um lugar completamente diferente.

Como é a vida de um brasileiro em Portugal? Qual o nível de dificuldade ou facilidade para entender e se adaptar ao português falado em Portugal? Como é o cotidiano em um País cujo número de habitantes (cerca de 10 milhões) chega a ser quase o mesmo do Rio de Janeiro?

Vamos entender essas e outras dúvidas! Confira:

“Camionista”: conhecendo a vida de um brasileiro na Europa

Nosso parceiro de hoje que vai contar um pouco sobre a vida como caminhoneiro em Portugal é Marcos Dias de Freitas Junior. Natural do Rio de Janeiro, Marcos, atualmente com 32 anos, compartilhou sua história para que pudéssemos dividir com vocês.

Morador de Braga, cidade localizada na região norte de Portugal, Junior é caminhoneiro desde 2014. Na época, ainda no Brasil, trabalhou dirigindo seu caminhão cavalinho até meados de 2020, quando uma porta se abriu.

Para Marcos essa oportunidade surgiu a partir do próprio trabalho que tinha, com contratos de frete que eram mandados para Portugal. Por isso, o caminhoneiro foi até o novo país com visto de trabalho, pausando sua vida por aqui para começar uma nova em outro país.

“Pausando”, pois parando para ver, além de já ter uma carreira como caminhoneiro há bons 6 anos antes de ir para Portugal, sua família, esposa e filho também estavam por aqui. Inicialmente o caminhoneiro partiu rumo à Europa, e 9 meses depois sua esposa, Ieda, e seu filho, João, foram para lá.

Agora Marcos está há cerca de 2 anos e 3 meses morando com sua família em Portugal e nesse tempo pôde observar as diferenças entre os países. “São pequenos detalhes que fazem uma diferença enorme aqui”, disse.

Marcos na fronteira entre Áustria e Eslováquia

Quais devem ser as maiores diferenças entre o lugar que morava, Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e Braga, em Portugal? Vamos entender nas próximas linhas.

Se você reparou ou achou esquisito o “camionista” agora é hora de explicar. Calma, não foi um erro, pois na verdade essa é a tradução direta de caminhoneiro. Por isso, Marcos, ou Marquinhos para os mais próximos, é um camionista agora.

“Eu quero a Estrada”. A relação com caminhão surgiu há bastante tempo

Agora é hora de falar um pouco sobre tradição! Ser caminhoneiro sempre foi uma profissão ligada a família, pois muitas vezes foi passada de pai para filho atravessando gerações e se prolongando para as próximas.

A história de Marcos com caminhão começa com o seu avô tirando o primeiro Alpha Romeo. Seu pai, assim como o avô, eram caminhoneiros, e a vida que o cercava sempre foi muito positiva.

Da Esquerda para a direita, a segunda pessoa com o braço em cima da faixa, o avô de Marcos tirando o primeiro Alpha Romeo

"Eu sempre vi que o caminhão nos dava uma vida boa. Passado um certo tempo me deu um estalo, e a partir daí decidi que iria trabalhar com isso”, contou o caminhoneiro. Acontece que antes de se tornar caminhoneiro Marcos seguia por uma profissão bem diferente.

Por entender as dificuldades e perigos na estrada principalmente, seu pai não queria que Marcos fosse caminhoneiro. Ele o incentivava e até brigava, quando Marcos ainda era menor, pois desejava que seu filho estudasse outra coisa para ganhar a vida de outra forma.

Foi assim que Marquinhos se formou técnico em mecânica pela Faetec-RJ, e se especializou como técnico de equipamentos. Mas além do fato de crescer rodeado de caminhoneiros, talvez a escolha dessa profissão também tenha contribuído para que encontrasse sua vocação.

Trabalhando como técnico em uma fábrica de carretas, Júnior não se sentia confortável com aquilo. “Eu fazia isso e fazia muito bem, mas não era aquilo que eu queria para a minha vida”, afirmou. “Nessa época meu pai já tinha um caminhão e comecei a dirigir com ele, no final de 2013 para 2014”, completou Marcos.

Embora tenha seguido o conselho (bem relutante) do pai, o desejo pela estrada, a sensação de liberdade e a possibilidade de conhecer diferentes lugares chamavam sua atenção, e foi assim, no final de 2013, que Marcos começou a dirigir com o seu pai nas primeiras viagens e aprendendo sobre a profissão.

Primeira viagem de Marcos com o seu pai, de São Paulo para Recife

A chegada em Portugal foi impactante

Assim que decidiu o que iria fazer, o agora caminhoneiro passou a trabalhar com isso e seu espírito aventureiro despertou. Até ir para a Europa, Marcos conheceu 6 estados brasileiros, e entre as dezenas de cidades que passou, tinha algo que gostava de fazer.

Ele se programava para, assim que terminasse de descarregar o caminhão, pudesse aproveitar as horas seguintes conhecendo a cidade. Em uma dessas viagens, que fez com a família, Júnior passou 60 dias na rota entre São Paulo, Fortaleza e Bahia, passeando com sua família assim que descarregava e acertava as contas.

Ao fim de 2020, quando partiu em direção a Portugal, algumas questões foram de encontro e começaram a trazer a realidade à tona. “Por mais que a gente pesquise, a realidade é diferente da teoria”, destacou.

Região de Salzburgo, na Áustria

Quando perguntado sobre as diferenças climáticas, Marcos disse: “Aqui no frio durante a tarde faz 14 graus, mas a noite chega a 2 graus. O calor também é bem extremo, e foi uma experiência diferente. Como passei muito tempo viajando, o calor não foi problema”.

“Mas o tratamento das pessoas é diferente”, continuou a contar ao mencionar o comportamento dos europeus. “Aqui o trânsito é respeitado até pelas crianças. As pessoas são educadase todas as regras são seguidas à risca. Por exemplo, as crianças recebem aula para que saibam como se comportar no trânsito, meio ambiente e outras questões”, contou o caminhoneiro.

E continuou: “São pequenos detalhes que fazem uma enorme diferença aqui, mas boa parte da Europa é assim. Na França, por exemplo, reparei que durante um engarrafamento em uma criança no banco traseiro do carro que não estava com o celular; ela estava com um livro”.

Gênova, Itália

O ponto que Marcos trouxe é importante e que nos faz refletir. Além das diferenças socioeconômicas, que certamente influenciam no nível de instrução e educação, nos deparamos com um problema grande no Brasil.

De acordo com a pesquisa Retratos de Leitura, divulgada pelo Cenpec (organização sem ?ns lucrativos que promove equidade e qualidade na educação pública brasileira), em 2019 o número de leitores no Brasil era 52% da população.

Não foram divulgadas novas pesquisas, mas o momento trazia uma queda preocupante de mais de 4,6 milhões de pessoas a menos. Agora, com a pandemia que, no período de maior crise, causou um “boom” gigantesco no consumo de conteúdo online, via streaming e redes sociais, é sensato pensar que o tempo pode diminuir ainda mais o número de leitores.

Mas continuando, para Marcos a diferença é sentida até dentro de casa, diretamente com o seu filho, de 7 anos. “Meu filho lê mais que eu! Ao invés de pedir um carrinho ele pede de presente um livro, e isso é cultural”, disse.

Diferenças entre o Brasil e Portugal - “Defendo muito a parte da segurança. Isso não tem preço”

“Conheço muita gente aqui e o clima é diferente entre as pessoas. As leis também são muito rigorosas e precisei de um tempo até me adaptar a elas. Aqui as multas são pagas à vista, no momento em que o guarda de trânsito para e aplica”, contou Marcos.

A segurança foi outro ponto bastante elogiado pelo caminhoneiro, que expressou certo alívio ao comparar com o Brasil. “Na Europa, Madrid e Barcelona são perigosos para o caminhoneiro, mas no Rio você não entra carregado após 17h a não ser que a empresa pague escolta. Aqui você entra a qualquer hora do dia”.

Os parques também possuem áreas de serviço, tendo ou não iluminação. Mesmo os que não possuem iluminação é possível parar sem que ninguém incomode, sem medo. “Defendo muito a parte da segurança, isso não tem preço. Aqui vemos grupos de mulheres fazendo caminhada às 23h da noite, por exemplo”.

De acordo com Marcos, em Portugal todos os caminhões só andam a 90 km por hora, limite que já vem estabelecido de fábrica. Além disso, as multas que o guarda aplica no caso de alguma infração são pagas na hora, e caso não seja feito o pagamento, a cobrança chega na casa da pessoa custando o dobro.

“Isso é excelente! O número de acidentes é mínimo, e quando acontece é um tombamento causado pelo vento ou algo do tipo, pois os mecanismos de velocidade e defesa impedem grandes acidentes. Tudo é ao seu favor. Você só faz errado se tentar mesmo”.

Berna, Suiça

Barreiras linguísticas e saudade do Brasil- “A Europa tem um certo preconceito com português”

Como foi falado no começo, é natural pensar que a língua não é um grande obstáculo por se tratar de português, mas existe dificuldade. “A língua é bem complicada e tem palavras diferentes. Quando ia a um restaurante pedia para repetir bem devagar”.

“Agora fora de Portugal, nos outros países, aí é bem diferente. Conheço brasileiros de 60 anos que não falam uma palavra em inglês, e viajam a Europa toda, mas para se virar é necessário saber o que pedir”, alertou o caminhoneiro.

Quando perguntado sobre o idioma falado em outros países da Europa, Marcos disse: “Aqui

Sempre em inglês, exceto na França, que prefere o francês, mas falam em inglês caso seja necessário. Agora o alemão não. Ele chega a falar para você que está na Alemanha, então precisa falar alemão”.

Há uma diversidade enorme de imigrantes na profissão e no geral é possível ver as bandeiras de cada nacionalidade. “A Europa tem um certo preconceito com português, mas quando olham a bandeira do Brasil todo mundo costuma se animar e querer conversar”, disse Marcos.

Quando perguntado sobre a saudade do Brasil, Marcos disse que pretende criar raízes em Portugal, embora sinta saudade do calor humano no Brasil.

“No Brasil sentia que não tinha liberdade, mas sinto falta do calor humano. Aquela coisa de encontrar um barzinho e tomar cerveja a qualquer hora do dia ou chegar em um restaurante e o atendimento ser diferenciado. Do calor humano eu sinto falta!”.

Sua história foi interrompida por uma lembrança que, ao contar o que aconteceu, trouxe à tona um dos grandes motivos para Marcos querer sair do Brasil.

“Estive no Brasil em outubro do ano passado (2021), e no primeiro dia que desci no Rio, em Nossa Senhora, fui até o aeroporto tentar trocar o dinheiro. Quando estava no trânsito, quase não acreditei, mas estava no meio de um arrastão. Em menos de 1 dia!”, contou.

Acontece que Marcos conseguiu se esconder, mas presenciou o arrastão no primeiro dia de volta ao Rio. Presenciou os assaltantes roubando e levando até alguns dos carros da frente, mas não chegaram até o local em que ele estava travado.

Além de estar com uma quantia considerável em dinheiro, pois era o que iria usar nos dias aqui no Brasil, um fato desse assim que chegou trouxe aquela mesma sensação de insegurança da qual ele fugiu saindo do País. “Eu não tinha uma vida ruim no Brasil, mas tinha uma preocupação enorme com segurança e o futuro do meu filho”

Como é a vida de um caminhoneiro na Europa? Quanto ganha?

Motorista de um Daf XF 480 cv 2019, da empresa na qual trabalha, Marcos transporta peças automotivas. A maior parte das cargas que leva tem relação com o acabamento de veículos.

Serra negra, Alemanha

A Europa é um continente composto por muitos países interligados, o que permite viagens entre muitos países feitas inteiramente por caminhões. No trabalho, Marcos percorre a região do leste Europeu, e já passou por diversos países.

Hungria, Eslováquia, Eslovênia, Croácia, Polônia, Alemanha, Itália, França… Sim, são muitos países! Geralmente ele costuma apenas passar pelas estradas de muitos, no entanto, sempre que pode continua com seu costume de conhecer novos lugares.

“Um lugar que gosto muito é a Áustria. É um país muito bonito, que mesmo no inverno tem o céu azul”, confessou Marcos.

Chegando ao fim da nossa conversa, falando sobre estilo de vida, ganhos e possibilidades, o caminhoneiro foi bem franco em relação à situação da profissão e do país. Hoje, Marcos possui uma estabilidade, com casa e carros, e o principal para ele, que é a qualidade de vida de toda a segurança de Portugal, tornam essa a melhor opção.

Sobre os ganhos:

“Para a galera que pensa em sair do Brasil e vê Portugal como uma possibilidade, a primeira pergunta deve ser: por que você está indo para lá? Se a resposta for por dinheiro, não venham! Mas se for por segurança e qualidade de vida, podem vir sem olhar para trás”, contou.

E afirmou: “Aqui você ganha aqui como caminhoneiro o suficiente para viver bem, mas não é como se pudesse pegar metade do seu salário e mandar para o Brasil como algumas pessoas fazem quando vão trabalhar em outros países'', finalizou.

Saiba também quanto ganha um motorista que dirige um caminhão agregado.

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