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O poder sem poder

Por Revista Caminhoneiro em 07/06/2018 às 16:12
O poder sem poder

A falta de uma liderança, tanto em Brasília, quanto nas estradas, levou o País à beira de um colapso com a falta de combustíveis, alimentos e serviços básicos.  Os caminhoneiros são sistematicamente desrespeitados como profissionais. São multas indevidas, falta de infraestrutura nos postos de abastecimento, insegurança nas estradas, a maioria em péssimas condições e maus tratos até mesmo de alguns clientes. Mas mesmo assim, continuam na pista por amor à profissão e por que precisam levar o pão de cada dia para suas casas. Mas tudo tem um limite. Quando o valor dos fretes sobe a passo de tartaruga e o preço do diesel todos os dias, não há paciência, nem bolso que aguente. Enquanto o preço do frete para médias distâncias subiu 4,54% entre abril de 2017 e abril de 2018, segundo dados do Setcesp – Sindicato das Empresas de Cargas do Estado de São Paulo, o preço do óleo diesel S-10 subiu 12,7% no mesmo período. Cansados de serem explorados, os caminhoneiros foram pedir uma solução para a situação que poderia tornar-se insustentável. “Em outubro, fizemos uma correspondência e protocolamos na Casa Civil,” disse José da Fonseca Lopes, presidente da Abcam – Associação Brasileira dos Caminhoneiros. “Fomos recebidos em outubro e pedimos a retirada do IOF, Pis, Confis e da Cide, (contribuição de intervenção no domínio econômico), do óleo diesel, pois se continuasse do jeito que estava, em pouco tempo não teríamos como continuar trabalhando.” Fonseca conta que foi pedido que eles, caminhoneiros, dessem uma solução.
“Oras quem governa são eles. Eles que devem dar a solução”, esbraveja Fonseca.
E assim, o Governo foi “levando em banho maria” sem se importar com a situação, não acreditando em uma atitude mais séria por parte deles. No dia 14 de maio, a Abcam, junto com outras entidades de classe e lideranças, começou a se articular. Dia 16 de maio foi enviada uma nova correspondência à Casa Civil. Dessa vez pela CNTA - Confederação Nacional dos Transportadores Autonômos, alertando inclusive para uma paralisação que teria início dia 21 de maio e pedia, de novo, que alguma providência fosse tomada. Como os caminhoneiros perceberam que o Governo não estava preocupado com a situação, resolveram partir para a greve dia 21.
“Nós procuramos a imprensa, redes sociais e como já vínhamos fazendo esse movimento, outras pessoas começaram a se movimentar para a greve nacional,” explica Fonseca dizendo que nas greves anteriores, a pauta de reivindicação era extensa, e nesta, querem apenas uma coisa: a redução do preço do óleo diesel.
Ele acredita no sucesso da paralisação pois, além dos caminhoneiros, várias entidades estão apoiando como alguns sindicatos, agricultores, a União dos Transportadores Escolares, Cooperativas de Turismo de Distrito Federal, Federação dos Taxista, associação dos aplicativos, a população, que levou alimentos e águas para vários pontos onde os mais de 200 mil caminhões (segundo ele) estão parados. Até o “rei” Roberto Carlos apoiou a categoria em um show feito em Santa Catarina. Roberto disse: “Às vezes, os fins justificam os meios. Meu carinho e meu respeito por todos os caminhoneiros que estão fazendo esse movimento. E as causas que eles estão reivindicando com certeza não são causas só deles. São nossas causas. Meu abraço e meu carinho para esses nossos heróis caminhoneiros de todas as estradas. Para a gente realizar esse show, por exemplo, contamos com o trabalho de caminhoneiros valentes, caras que enfrentam coisas incríveis. Quero falar o nome deles: Fabiano, Marlon, Alexandre, Bruno, Marcos e Claudião.” Fonseca afirmou que a orientação da Abcam é para não fechar rodovias, não queimar pneus, não quebrar caminhões. “Lamentamos muito quando vemos que isso está ocorrendo”, afirma Fonseca.
“Minha intenção era fazer uma greve sem ninguém sair de casa, porém, existem pessoas vendendo ilusões, querendo se aparecer, dizer que é o dono da boca. Fico na minha, fazendo da maneira correta.”
Para o presidente da Abcam, se não fosse feita a greve, até o final do ano não haveria caminhoneiro. “Se a conversa não for positiva, a greve vai continuat,” diz Fonseca explicando que está fazendo o possível e o impossível para essa greve dar certo. “Se não der certo, vou pegar meu chapéu e vou embora derrotado. Depois de tantos anos, sairei derrotado. Acabado”. A população, mesmo com o transtorno nos transporte e abastecimento, entendeu os motivos da greve e deram apoio aos caminhoneiros. Era fácil ver em pontos de bloqueio populares levando, pão, água, sucos, refrigerantes e até “quentinhas” para os caminhoneiros. Uma dessas pessoas é Adilson Ribeiro, 30 anos, caminhoneiro há sete, que deixou seu Volvo NL10, 1995, com o qual transporta carga geral em casa para levar alguns lanches e melancias para os caminhoneiros parados na Refinaria da Petrobras, em Barueri, SP. “Eu vim dar apoio aos grevistas porque a gente necessita de mudança,” disse Ribeiro com seu filho de dois anos no colo e a mulher a seu lado. “Tem muita coisa errada, mas o preço do diesel é o pior. Eu não posso ficar junto com eles na linha de frente, eles são guerreiros, mas eu dou minha contribuição.” Proprietário de seis caminhões, Benedito Antonio da Silva foi até o túnel do rodoanel, próximo à Régis Bittencourt, para levar para casa um de seus motoristas, que já estava parado há dois dias, e deixar outro com o caminhão no acostamento. “A vida de caminhoneiro é pior do que a vida do proprietário do caminhão,” compara Andrade. Meus caminhões estão parados, mas não tem problema. Se preciso, ficamos um mês, não importa. Para conseguir benefícios para o caminhoneiro vale a pena.” Saindo do rodoanel, sentido Régis Bittencourt, Augusto Ribeiro, de 42 anos e 14 de caminhoneiro, dirigia uma van com água, mantimentos e frutas para distribuir para os grevistas. “Nós estamos na luta, não podemos desistir,” falou sorrindo. “A gente arrecadou alimentos em Caucaia do Alto, SP, compramos alguma coisa e distribuímos, em Cubatão e Alemoa. Agora estamos indo pegar mais mantimentos e voltar.” Quando ele ia saindo, um rapaz perguntou se tinha água. Ribeiro disse que a água havia acabado, mas tinha mexirica e banana. O rapaz, muito contente, pegou algumas frutas e foi correndo dividir com alguns caminhoneiros que estavam no acostamento. João Luis da Silva, 85 anos, agricultor com parentes que são caminhoneiros foi na Régis Bittencourt para dar apoio aos caminhoneiros. “Os ministros falam o que quer na imprensa, mas na hora de cumprir a coisa muda de figura,” reclamou Silva. “Quero ver assinado, editado e publicado no Diário Oficial. Os políticos e a imprensa perderam a credibilidade. Falaram no rádio que os caminhoneiros, são vagabundos e preguiçosos. Marinha, exército e aeronáutica não estão com o Governo. Tem um bando de bandidos em Brasília que precisam ser presos. Vim aqui com os caminhoneiros, porque me sinto na pele deles, que tomaram uma atitude coerente, inteligente. Em outros tempos haveria saque, baderna e agora está tudo tranquilo”. E a população também está ajudando com alimentação. Maria Antunes de Alencar, esposa de uma caminhoneiro que está parado em São Borja, veio com o filho para trazer água, alimentos e apoio aos caminhoneiros. “Sei que vida é essa aqui. Todo mundo pensa que é brincadeira, mas eu sei o que vocês enfrentam,” disse Maria. “A vida na estrada é muito difícil. As empresas não deixam nós entrarmos, nos deixam na chuva, no sol. Já fiquei em temperaturas baixíssima em Gravataí.” Mal ela acabou de falar, surge Tatiana Lucas, desempregada, que veio oferece sua casa para que os motoristas pudessem tomar banho. Já estava acompanhada por quatro. “Estou fazendo isso desde sexta-feira,” conta Tatiana, ao lado de sua amiga Rita. “Faço isso porque a causa deles, não é só deles. É minha, é sua, é de todos nós, por isso precisamos ajudar.” Em cima da passarela que cruza a Régis Bittencourt, Paulo Alves Sasso, proprietário de 16 caminhões olha a movimentação com sua esposa e fica emocionado.
“Tenho três caminhões parados,” conta ele. “Mas eu apoio. Estamos na mão de ladrões de uma quadrilha. Na Câmara dos Deputados, se sobrar 10% honestos é muito.”
Sasso explica o apoio popular ao movimento falando que os caminhoneiros começaram a paralisação, mas que a causa é de todo mundo. “Eles começaram uma briga que todo mundo gostaria de fazer. Os caminhoneiros descobriram o poder que têm. Se um médico para, chama-se um enfermeiro. Se uim juiz para, chama-se um adovgado. Mas se um caminhoneiro para não há quem chamar. O que eles estão fazendo aqui é sonho de todo o brasileiro.” Falha na comunicação O Governo, que não quis atender as reivindicações dos caminhoneiros, mesmo tendo recebido um comunicado, ao ver-se confrontado com uma greve a qual acreditava não acontecer, resolveu fazer uma reunião com as lideranças dos caminhoneiros. Porém, como não conhece e nunca procurou conhecer esse segmento, acabou deixando de fora da reunião alguns importantes representantes do segmento. O que já não estava bom com a exclusão de algumas entidades representativas dos caminhoneiros ficou pior quando José Fonseca, presidente da Abcam, soube que o senador Eunício Oliveira, presidente do Senado estava em viagem pelo Ceará. “A Câmara Federal fez direitinho a lição de casa. Votou, aprovou e encaminhou o projeto que elimina PIS, Cofins e Cide do diesel, mas o presidente do Senado acha que é o maior brasileiro do mundo, pegou o avião dele, e foi embora. Por causa disso, vou falar para o meu pessoal não levantar a greve até esse homem voltar e votar a emenda para zerar as alíquotas do PIS, Cofins e Cide para o óleo diesel. Só encerraremos o movimento depois da votação desse projeto,” afirmou irritado Fonseca, que deixou a sala das negociações. Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, por outra falha de comunicação, aprovou o projeto na “ilusão” de que o rombo para o Governo seria de R$ 3 bilhões. Ao ser alertado por membros do ministério da Economia de que o rombo seria de R$ 12, disse que na verdade o rombo seria de R$ 9 bilhões. Independente de quanto será o rombo, Fonseca saiu da reunião que acabou com acordo onde os caminhoneiros tiveram 12 pontos atendidos (veja box). Porém, por não se sentirem representados pelos homens que estavam na reunião com o Governo, os caminhoneiros não aceitaram o acordo. E a greve continuou. Acordo inútil  Perguntado sobre o acordo assinado para o fim da greve, Benedito Andrade disse que o acordo não serviu para nada, tanto assim que ninguém se mexeu porque, segundo ele, quem assinou o acordo não representa a categoria dos caminhoneiros. “Nossas greves não dão certo por falta de união. Uns querem, outros não. Além disso, em qualquer lugar que a gente para, a Polícia metia o cacete,” lembra Andrade. “Hoje, a Polícia não vem porque não tem força para nos impedir. Estamos aprendendo a fazer greve. Estamos em greve, mas não fechamos as estradas. Temos fôlego para aguentar 30 dias ou mais. Até atenderem nossas reivindicações ou acontecer a intervenção militar”. Leandro José Ribeiro, 39 anos e há 20 caminhoneiro, preferiu deixar seu Volvo FH em casa e dar força para os companheiros em greve na porta da refinaria da Petrobras em Barueri, SP.
“É melhor parar o caminhão do que ficar rodando com prejuízo,” afirma ele. “Ou então dar outro rumo na vida. Acho que essa greve vai dar certo. Não tem outro caminho, a não ser parar para que o Governo nos escute”.
Segundo ele, a população tem que se interessar porque a gasolina também sobe. No mesmo local, Ricardo Barboza, 40 anos e 20 de caminhoneiro, agitava freneticamente uma bandeira do Brasil. Morador de Jandira, SP, transporta de tudo com seu VW. “Não é apenas o diesel que está pegando irmão. O embarcador está agindo de má fé,” reclama Barboza. “Um frete que custava R$ 1.200, agora estão pagando R$ 900,00. E se eu não aceito tem outro mais desesperado que aceita. Os fretes são tabelados e o Governo tem que fiscalizar. Os empresários estão colocando o preço que quer e os novatos estão perdendo seus caminhões porque não sabem fazer contas, não sabem o custo de um pneu, e assim vão ficando só os veteranos.”
Confiante no sucesso da greve e na ajuda de Deus, Barboza explica que deixou seu caminhão carregado com leite há seis dias. “O leite estragou. Prejuízo meu e do cliente, porém, o cliente entendeu minha situação e disse para eu agir como achasse melhor,” explica ele.
Um grupo de caçambeiros se juntou aos caminhoneiros em Barueri e também protestou. “Não é só o preço do diesel que ´pega´ e nem é o pior. O problema é que o preço do diesel puxa tudo. Puxa pneu, manutenção do caminhão. Mas o pior mesmo é o frete baixo,” compara Osni Mansk, 56 anos, 30 anos de caminhoneiro, dono de um Scania P310, 2014. “Estamos parados sem ganhar nada. É melhor ficar parado do que ganhar pouco. Porque se a gente continua do jeito que está, vai chegar uma hora em que não conseguiremos trabalhar mais”. Assim como seus companheiros, ele aposta no sucesso da greve por achar que os caminhoneiros estão mais unidos. Segundo ele, as redes sociais ajudaram muito. “Até quem nunca participou de uma paralisação quer participar, pois não está aguentando pagar as prestações dos caminhões,” diz Masnk. “Com as redes sociais, a gente posta algo no celular e em minutos to do mundo vê. É o pessoal de São Paulo apoiando Minas Gerais, de Minas apoiando o Sul e assim vai.” Ele fez questão de dizer que todas as estradas estão liberadas para a população, e diz que nem era preciso ir para as estradas. “Bastava bloquear as bases de combustíveis que o efeito seria o mesmo. Em uma semana, para todo o Brasil, não precisa trancar a estrada”. Osnni Mansk lembra que os caminhoneiros são a linha de frente da luta. Lutam por eles, mas o benefício será de toda a população. “Algumas pessoas jogam os caminhoneiros contra a população falando que por causa da nossa paralisação haverá desabastecimento,” lamenta Mansk. “É verdade, mas estamos deixando 50% do frete para pagar diesel. Estamos trabalhando com preço de 2010. Não aguentamos mais. Se continuar assim, haverá desabastecimento porque não teremos como rodar com nossos caminhões.” No km 69 da rodovia Castelo Branco, em frente ao posto Doninha, uma concentração de caminhoneiros aguardava uma solução para a crise. “A greve vai dar certo. Tem que dar certo. O diesel não pode custar esse preço. Um litro de gasolina não pode custar quase R$ 5,00. Como um pai de família vai passear com seus filhos com a gasolina a esse preço e o diesel nas alturas?” pergunta Maikon Rocha, 30 anos e há três trabalhando como caminhoneiros, com um Ford Cargo 1317 carga seca. “Vim aqui sem caminhão para ajudar a classe. O certo seria parar todo mundo. Estamos brigando por nós, mas o efeito positivo será para todo mundo. Por isso a população tem ajudado com mantimentos, água, frutas e quentinhas.” Parado há três dias em um descampado na frente do posto Doninha, no km 69 da rodovia Castelo Branco, Edivaldo Honorato, 58 anos, e 30 de caminhoneiro, sorri ao descer do seu Mercedes-Benz 1113, ano 84. “A situação está muito ruim, e faz tempo. E Não é só o diesel, é a situação do País,” lamenta. “Não sei se vai dar certo, mas tem que dar. Espero que realmente funcione para todo mundo. Tem que resolver, o País tem que mudar. Porém, as outras manifestações não deram certo, e não acredito que essa dará.” Dentro do túnel do rodoanel, antes da Régis Bittencourt, Alfredo Renato da Silveira, 66 anos e 47 de caminhoneiro, vindo de Fortaleza, espera dentro de um VW Titan 25-230, junto com sua esposa que estava fazendo suas orações. “Viemos de Fortaleza e estávamos indo para Caxias do Sul, RS. O patrão disse para fazer o que achar melhor para minha segurança. Além de patrão, é meu amigo,” conta Silveira. “A greve não acabou. Isso é informação equivocada porque esse homem que se diz presidente nunca foi. Assumiu em um golpe. Ele não quer baixar o petróleo. É mentira que ele baixou. Não resolveu nada. Na reunião, aqueles que assinaram o acordo não são nossos representantes,” desabafa o experiente caminhoneiro. “Entraram presidentes de sindicatos e não os representantes dos caminhoneiros. Não foi acordo, foi conchavo. Teremos que parar até segunda, caso ele não resolva nossas reivindicações, a greve vai continuar para que esse que se diz presidente renuncie”. Para ele, não adianta baixar o preço do diesel por 15 dias e depois voltar ao absurdo do preço atual. “Essa greve foi anunciada sexta feira, dia 18, para começar dia 25. No dia 25, esse senhor que se diz presidente, aumentou o óleo diesel, a gasolina e está achando que vai sair vitorioso. A gente tem que ir para o sacrifício, porque se voltar atrás, perderemos nossa credibilidade. Nunca mais”. Deitado no chão da Régis Bittencourt, embaixo do VW 17.190, Heriberto Domingos da Silva examina o estrago feito em seu caminhão quando parou. “Fui assaltado antes de chegar aqui,” lembra ele. “Levaram meu celular, documentos e dinheiro. Parei na polícia rodoviária que me instruiu ir até uma delegacia próxima daqui. Quando cheguei aqui, expliquei o ocorrido, que estava vazio, que estava indo para a delegacia, mas não teve jeito. Me mandaram encostar e esvaziaram meus dois pneus dianteiros.” Mesmo assim, Silva acha a greve válida, mas diz que deve haver consciência, para não virar baderna. Ele diz que no local está ocorrendo roubos e os grevistas ficam à mercê da sorte. “Meu patrão tem contas para pagar, mas também concorda que temos que continuar. R$ 0,10 a menos no diesel não adianta. Mas espero que liberem a gente, temos famílias.” O primeiro a parar no bloqueio da Régis Bittencourt, vindo de Curitiba, foi Luverci Aparecido Catrare. Aos 66 anos, 40 de caminhoneiro e hipertenso, estava comendo em um posto próximo, lavando o rosto no gorote e dormindo na cabine do seu Mercedes-Benz 1418, ano 1997. “O diesel está muito caro, ninguém está conseguindo trabalhar,” reclama Catrare. “Eu estou trabalhando com fretes com valor de cinco anos atrás. E está difícil. A classe não é unida. Se eu subir meu frete, vem outro e oferece preço mais baixo e eu fico sem nada.”
Sorrindo e olhando para a estrada, onde era possível ver o rodoanel, ele desabafa. “Dá uma vontade de engatar a primeira e sair correndo,” e solta uma gargalhada. “Mas é perigoso, o jeito e ficar aqui e aguardar. Eu só queria tomar meu remédio para pressão.”
 Excessos  Não houve comunicação entre os membros do Governo, entre os representantes dos caminhoneiros e nem entre eles mesmos. Principalmente entre os que “organizavam” os bloqueios. No bloqueio da Régis Bittencourt, próximo ao Rodoanel, nas duas extremidades, era possível ver homens armados com grandes pedaços de paus. Se a paralisação era pacífica, para que esse tipo de “arma”?. Além de parar caminhões e furgões, por pura ignorância, estavam parando picapes. Picape não é caminhão. Além de parar, abriam as caçambas, como se fossem policiais atrás de droga. Uma picape com três peças de alumino na caçamba foi parada. Na linha do absurdo, pararam um Gol, com algumas caixas de alface que iam para um restaurante. Depois de uma conferência entre seis membros, decidiram liberar o carro com o aviso: “diga para sua empresa não fazer mais isso,” falou um deles como um xerife de velho oeste. O pobre caminhoneiro que foi assaltado, em vez de receber escolta até a delegacia, pois era noite, teve os dois pneus do caminhão esvaziados. A mesma “sorte” teve uma equipe de reportagem que teve um dos pneus do carro esvaziado, apenas porque o jornalista perguntou se era correto esvaziar pneus de caminhoneiros.
E o seu Catrare, de 66 anos, ficou sem tomar seu remédio de pressão por seis dias.
Um motorista morreu ao ser atingido por uma pedra. Uma pessoa morreu ao ser atropelada por um caminhoneiro em fuga. Esses fatos mancham uma paralisação perfeita, ordeira, que apesar de não conseguir tudo o que pediu fez grandes avanços. Forças armadas nas ruas  Como o Governo viu que a paralisação não acabou, no dia seguinte à assinatura do acordo resolveu tomar atitude mais drástica, colocar as Forças Armadas, as forças especiais e todo o efetivo policial dos estados em prontidão. O ministro da Defesa afirmou que o Governo tinha energia para desobstruir as vias, enquanto o general Sérgio Etchegoyen, Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República explicou que a medida foi tomada diante do risco de desabastecimento.
O presidente Michel Temer, em discurso de televisão disse que “assim como tivemos a coragem do diálogo, nós temos coragem de exercer autoridade.” Disse ainda que estava colocando todas as forças federais para garantir a livre circulação e, naturalmente, o abastecimento do País. “Acho que o País esperaca uma palavra dessa natureza,” finalizou o presidente.
As forças armadas apoiarão a força nacional de segurança e às polícias estaduais. O Ministro da Defesa disse que a principal atividade é preservar as infra-estrutras críticas, preservar o funcionamento das refinaria, portos e aeroportos e evitar o desabastecimento, e deixou bem claro que não haverá nenhuma ação contra o caminhoneiro. O presidente publicou ao decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) com validade até dia 4 de junho o que permite a atuação das Forças Federais nos estados. Também publicou o decreto para o uso da requisição de bens das empresas. Por exemplo, se uma empresa se recusar a liberar um caminhão tanque, com combustível, o Governo pode requisitar esse veículo e colocar, inclusive um motorista próprio para dirigir. Finalizando as ações judiciais, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, Supremo Tribunal Federal, atendeu ao pedido da AGU, Advogacia Geral da União, concedendo liminar autorizando as Forças Armadas a liberarem as estradas. O governador de São Paulo suspendeu a cobrança de pedágio do eixo erguido em todo o Estado, notificou o Procon para que fiscalize o preço nas bombas de combustíveis, irá incluir um caminhoneiro autônomo nas reuniões da Artesp, suspenderá todas as multas aplicadas durante o movimento e creiará um grupo especial para estudar uma alíquto diferenciada de IPVA para 2019.  Falta de credibilidade Mesmo com todas essas medidas, os caminhoneiros não arredaram o pé das estradas. Valdemar Pscheidt, 39 anos, 10 de caminhoneiro, veio de Santa Catarina e ficou parado no bloqueio da Régis Bittencourt, com seu filho. “Parei porque quis. Em janeiro pagava R$ 2,40 o litro do diesel. Agora pago R$ 3,60, e o presidente quer dar R$ 0,10 de desconto,” sorri Pscheidt. “Vamos continuar até que haja um acordo que resolva nosso problema. Os autônomos estão quebrados”. Sadi Paulo Alves, 66 anos de idade e 40 de caminhoneiro, se diz emocionado com o apoio que a população vem dando para os caminhoneiros. “Nunca pensei que fôssemos tão bem recebidos e tivéssemos tabto apoio,” fala o experiente caminhoneiro. “Isso é muito importante e nos dá força para continuarmos até a vitória final. Pegando uma carona para ir até o posto mais próxima, Ademir Gomes Rodrigues, de 51 anos e 30 de estrada lembra da greve de 2003, quando os caminhoneiros perderam o controle e começaram a beber e a fazer bagunça. “Aqui não, está tudo organizado, ninguém bloqueando a pista, sem bebida, sem bagunça e com o apoio irrestrito da população. Pediram parfa mexer com as carretas para oi acostamento, mexemos sem problema. Essa greve tem que dar certo. Vai dar certo. A polícia está com a gente. Eles passam aqui e nos aplaudem, fazem sinal de positivo.” No final do sétimo dia de greve, o presidente Michel Temer, depois de passar o dia inteiro em reunião, anunciou cinco medidas para que os caminhoneiros voltasssem ao trabalho.  São elas 1 – Redução do preço do óleo diesel em R$ 0,46. Essa redução foi o resultado da eliminação do PIS, Cofins, ICMS e Cide. 2 – Preço do óleo diesel congelado por 60 dias. A partir disso, os reajustes serão mensais. 3 – Editou uma medida provisória liberando a cobrança do eixo erguido em todo o Brasil. 4 – Editou outra medida provisória liberando a Conab – Companhia Nacional de Abastecimento para contratar até 30% do transporte de caminhoneiros autônomos. 5 – Editou medida provisória estabelecendo uma tabela de frete mínimo. 6 – Não haverá desoneração no setor de transportes. Resta saber quando essas medidas serão colocadas em prática, e se serão suficientes para os caminhoneiros fazerem o que mais gostam: rodar pelas estradas. Com isso a greve dos caminhoneiros foi encerrada. “Nós fechamos o acordo, conseguimos tudo o que queríamos sem bagunça e na ordem,” resumiu José Fonseca, presidente da Abcam.
“O que estamos notando é a presença de pessoas estranhas ao nosso movimento querendo se aproveitar. A população nos apoiou, os caminhoneiros do bem nos apoiaram, correu tudo na normalidade, com ordem, sem bagunça. Mas agora estamos vendo pessoas estranhas ao movimento querendo tumultuar.”
Fonseca disse que se alguém quer tirar o presidente, que espere até outubro nas eleições. “A partir de hoje, quem for multado deverá assumir a punição sozinho. Para a Abcam a greve está encerrada. Foi a maior greve de todos os tempos. Conseguimos tudo o que pedíamos. O PIS/Cofins ficam zerados até o final do ano e o preço do diesel só irá ter aumento em 60 dias. Valeu a pena fazer a greve. A população entendeu nossas razões e nos apoiou”.   Texto: Francisco Reis Fotos: Amanda Gouveia e Francisco Reis.

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